Ninguém morre de pânico. E, no entanto, o corpo inteiro grita como se a morte fosse iminente. A angústia aguda que irrompe sem nome ou rosto, como uma tempestade interior, é mais do que um alarme falso: é o próprio alarme da existência. O pânico não é só medo — é a quebra súbita da ilusão de controle.
A crise de pânico é um abismo. Uma invasão do indizível que aniquila o ego e revela a condição radical de fragilidade do sujeito. Nos ataques de pânico, isso se torna irrefutável. É uma irrupção do inconsciente que ultrapassa os limites do simbólico: a pulsão de morte que irrompe sem permissão, sem lógica, sem narrativa.
Na filosofia, o pânico pode ser lido como o instante em que o ser se vê lançado ao nada, como diria Heidegger: o ser-para-a-morte não mais como conceito abstrato, mas como experiência concreta, encarnada em taquicardias, tremores, sudorese, vômito. O corpo fala, mas não se entende — e, na ausência de sentido, instala-se o terror.
E há ainda o mito. O próprio nome “pânico” vem de Pã, o deus silvestre, metade homem, metade bode, que com seu grito ensurdecedor fazia exércitos inteiros fugirem em desordem. Não é fortuito. O pânico é o grito do irracional, do primitivo, do arcaico que nos habita. Pã vive na floresta, território do desconhecido. Quando entramos em contato com esse desconhecido interno — esse “sem-nome” — o que experimentamos é a dissolução. Não mais sujeitos, mas restos pulsantes de linguagem, carne viva diante do indizível.
O pânico precisa ser escutado. Não silenciado, não reprimido — escutado. A escuta clínica permite que o sujeito, pouco a pouco, dê sentido ao que antes era puro terror. Atravessar o pânico é transformar o sofrimento em saber sobre si.
Do ponto de vista fisiológico, o pânico é uma resposta exagerada do sistema de alarme do corpo — um alarme falso. Durante uma crise, o corpo entra em modo de sobrevivência: respiração rápida, superficial, tensão muscular, aceleração do coração. Esse padrão respira o medo — e também o alimenta.
Nesses casos, o perigo não está no mundo, mas na cabeça de quem o sente. O medo passa a ser um reflexo de padrões internos, revelando que as emoções nem sempre são um espelho fiel da realidade, mas respostas subjetivas a ela. A hipervigilância se instala, a respiração se acelera, e o corpo responde como se estivesse sob ameaça — mesmo sem nenhum perigo concreto. O verdadeiro conflito acontece internamente.
Nesse cenário, a respiração diafragmática (profunda, abdominal) atua como gesto simbólico e fisiológico: ativa o sistema parassimpático, responsável pelo relaxamento, reduz a produção de adrenalina e ensina ao corpo que o perigo não é real.
A crise de pânico não termina com o fim dos sintomas físicos. Depois do colapso, vem o medo de colapsar de novo — e é aí que o pânico passa a organizar a vida. Muitas pessoas começam a evitar lugares onde não possam fugir facilmente ou onde não haja alguém de confiança por perto. Ir ao mercado, pegar transporte público, sair sozinho — tarefas simples se tornam ameaças em potencial. O mundo se estreita. O sujeito se apequena. E, aos poucos, a liberdade cede espaço à vigilância.
Nesse processo, não raro, surge uma dependência emocional: o outro — parceiro, amigo, familiar — torna-se uma muleta psíquica. A pessoa em pânico precisa do outro para garantir sua sobrevivência simbólica. Não é amor: é medo. Não é vínculo: é sustentação. O outro vira âncora diante do mar revolto da ansiedade. E sem ele, tudo desmorona.
Elaborar o pânico é também reconstruir a autonomia. Superá-lo é um gesto corajoso: retomar o mundo, passo a passo, com ou sem companhia, habitando a vulnerabilidade sem negá-la. Trata-se de reconquistar a confiança — no corpo, no tempo, no silêncio. E, acima de tudo, em si.
O transtorno do pânico frequentemente leva a uma obsessão por prever, evitar, controlar: a pessoa reorganiza sua vida em torno do medo de uma nova crise. Leva calmantes na bolsa, senta perto da saída, monitora o próprio corpo obsessivamente. Mas esse controle é ilusório — e o ciclo vicioso se perpetua.
Respirar não é apenas fisiologia. É existir com abertura. É permitir que algo venha de fora, atravessando o dentro. É confiar que se pode sentir, e ainda assim continuar.
Abandonar o controle não é ser passivo — é aceitar que a vida pulsa com incerteza. É parar de lutar contra fantasmas. É permitir-se, enfim, habitar o tempo presente — com corpo, desejo, angústia e tudo mais.