TDAH: O mal-estar da atualidade

Ao tentar compreender o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), talvez o primeiro passo não devesse ser buscar respostas em manuais diagnósticos, mas sim voltar o olhar para o sujeito, sua relação com o tempo e o modo como ele vive em sua época. Afinal, a pergunta “quem eu sou?” hoje carrega novas camadas de complexidade, e o TDAH se apresenta como um sintoma que, antes de ser biológico, parece também carregar traços profundos do nosso mal-estar contemporâneo.

O diagnóstico de TDAH vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas. Seus sintomas clássicos — hiperatividade, déficit de atenção e impulsividade — são hoje amplamente conhecidos. A pessoa com TDAH é, muitas vezes, aquela que se distrai com facilidade, parece agitada, perde objetos com frequência e encontra dificuldade para manter o foco. Mas quem nunca viu uma criança antes dos sete anos cheia de energia, incapaz de ficar parada, pulando de uma brincadeira para outra? 

A ciência já mostrou que o TDAH tem forte componente genético: estudos apontam que a hereditariedade varia entre 70% e 80%. Ou seja, se um dos pais apresenta o transtorno, há uma probabilidade considerável de que o filho também o desenvolva. Contudo, não se trata apenas de genética. Fatores ambientais desempenham um papel significativo, como exposição ao álcool ou drogas durante a gestação, nascimento prematuro, complicações no parto e ambientes familiares estressantes ou desorganizados.

Mas e no passado? Será que o TDAH é mesmo uma invenção da modernidade? Provavelmente não. Os sintomas que hoje agrupamos sob essa sigla sempre existiram, mas foram interpretados de formas diferentes ao longo da história. Textos médicos dos séculos XVIII e XIX já descreviam crianças com comportamentos impulsivos e dificuldades de concentração. Há, inclusive, especulações de que figuras históricas como Leonardo da Vinci, Mozart, Thomas Edison e Nikola Tesla tenham apresentado traços semelhantes ao TDAH: dificuldade em concluir projetos, energia criativa intensa, comportamento irreverente e dificuldade com rotinas.

Apesar dos avanços na neurociência, muitas críticas têm sido feitas ao discurso excessivamente biologizante sobre o TDAH. Reduzir o transtorno a um suposto “defeito cerebral” ou desequilíbrio químico ignora aspectos fundamentais da experiência humana: a história de vida, as relações interpessoais, os contextos escolares, familiares e culturais, além das pressões sociais que definem o que é “normal” ou “desviado”. Essa visão corre o risco de deslocar o problema exclusivamente para dentro do indivíduo, desconsiderando as exigências sociais cada vez mais intensas de produtividade, foco e obediência.

No campo educacional, é essencial pensar estratégias de acolhimento e adaptação para crianças e adolescentes com TDAH. Ambientes com práticas de meditação e atenção plena (mindfulness) podem ajudar no controle da impulsividade e na melhora da concentração. É igualmente importante refletir sobre o uso excessivo de telas — celulares, tablets, computadores — que agravam os sintomas por estimularem recompensas imediatas e fragmentarem a atenção. Redes sociais e jogos, por exemplo, alimentam o ciclo da impulsividade e dificultam ainda mais o foco em quem já possui essa vulnerabilidade.

Pensar sobre crianças agitadas nos convida a refletir sobre o que elas realmente precisam. Nem sempre o caminho é apenas acalmá-las. Muitas vezes, é necessário ajudá-las a administrar sua energia. Há crianças que precisam se mover, explorar, se expressar fisicamente. Para elas, o gasto energético é tão essencial quanto o relaxamento. Crianças com TDAH podem ser extremamente inteligentes, criativas e sensíveis. Entender isso é reconhecer que os seres humanos são diversos em sua forma de existir no mundo.

Além disso, é comum encontrar crianças diagnosticadas com TDAH que crescem em lares desorganizados, sem rotina clara ou com ausência de limites — o que, muitas vezes, é reflexo de um perfil familiar mais amplo. Nessas situações, o que está sendo rotulado como transtorno pode ser, na verdade, o resultado de um desenvolvimento sem rumo, sem suporte afetivo e estrutural adequado. O que falta em casa — como limites, organização, tempo de qualidade — acaba sendo lido como sintoma clínico, e a criança, mais uma vez, carrega sozinha o peso de algo que é coletivo.

Pensar o TDAH, portanto, é mais do que compreender um transtorno. É olhar para o sujeito em sua totalidade, refletir sobre o modo como vivemos e educamos, e repensar as exigências que fazemos às novas gerações. Precisamos encontrar caminhos de cuidado, escuta e valorização da diversidade humana.