“Somos do mesmo tecido de que são feitos os sonhos, e a nossa pequena vida é cercada por um sono.”
Nessa célebre metáfora, Shakespeare costura uma das mais profundas reflexões sobre a condição humana: a de que somos, essencialmente, feitos de algo etéreo, instável e transitório. O “tecido dos sonhos” não é matéria palpável — é feito de desejos, pensamentos, esperanças, ilusões. E é disso que se compõe a vida: de matéria simbólica, de projeções da mente, de lampejos de sentido que, como os sonhos, se dissipam ao primeiro toque da razão.
A vida, sugere Shakespeare, é frágil como um sonho, uma pequena travessia entre dois grandes sonos: o do nascimento e o da morte. Mesmo enquanto vivemos, talvez estejamos apenas sonhando — num estado de semi-consciência, envolvidos por um “sono” metafórico que representa o desconhecimento de nós mesmos, a ignorância sobre a realidade maior que nos escapa. Vivemos como sonâmbulos, guiados por forças internas que mal compreendemos.
Essa visão poética encontra eco no pensamento filosófico de Platão, para quem o mundo sensível — aquele que percebemos com os sentidos — é apenas uma sombra da verdadeira realidade. Como na alegoria da caverna, onde os prisioneiros tomam as sombras por realidade, também nós vivemos em um mundo ilusório, enganoso, efêmero. O “despertar” para Platão seria o acesso ao mundo das ideias, à verdade que existe além da aparência. Da mesma forma, o “despertar” para Shakespeare pode ser entendido como uma tomada de consciência sobre a ilusão da vida — perceber que, enquanto sonhamos, existe algo mais profundo por trás do véu da realidade aparente.
Fernando Pessoa, em O Livro do Desassossego, ecoa essa mesma inquietação: “Sonhar é acordar-se para dentro.” A consciência, para ele, não é um fim do sonho, mas apenas uma outra camada dele. A vida não é menos ilusória do que os sonhos da noite; talvez, seja até mais. Somos feitos de múltiplos “tecidos oníricos”, fragmentos de pensamentos e sensações que constroem uma realidade subjetiva, mutável, impermanente.
Viver, então, é como sonhar — e a realidade, como um sonho lúcido: real enquanto dura, mas efêmera como a névoa ao amanhecer. O sábio, talvez, não seja aquele que escapa do sonho, mas aquele que reconhece que está sonhando. A vida é uma pequena janela entre dois sonos, e tudo que vivemos é parte dessa dança de sombras e luzes que chamamos de realidade.
Assim, Shakespeare nos convida não ao desespero diante da brevidade da vida, mas à reflexão: se tudo é sonho, então que ao menos sonhemos com beleza, com lucidez, com arte. O “tecido dos sonhos” é também a matéria da poesia, da imaginação, daquilo que usamos para tornar suportável — e, quem sabe, até belo — o breve intervalo entre o nascer e o morrer.