Adolescência: O Tempo Suspenso Entre o Sonho Alheio e o Projeto de Si

Freud, ao discutir o narcisismo primário, observa que o sujeito é, desde o início, investido pelas expectativas dos pais. O “filhote humano nasce inflado” — é, desde sempre, um projeto de desejo alheio. Durante a adolescência, esse investimento parental começa a se desfazer, e o jovem precisa reconstruir-se como sujeito de desejo próprio.

Contardo Calligaris interpreta bem essa crise: o adolescente já tem corpo adulto, mas não é reconhecido como tal. Vive o paradoxo de estar apto para o mundo, mas ainda dependente simbolicamente. Não é mais criança, mas tampouco encontra um lugar legítimo no mundo adulto. Isso o coloca em uma espécie de suspensão identitária, que pode se prolongar indefinidamente — uma “procrastinação crônica” da maturidade.

A adolescência é, na psicologia do desenvolvimento, o estágio da formação da identidade versus a confusão de papéis. O adolescente precisa responder: Quem sou eu? Quem quero ser?
Essa busca não é simples. A procrastinação que tanto marca esse período não é apenas preguiça ou desinteresse, mas muitas vezes um sintoma de angústia profunda diante da responsabilidade de construir-se como sujeito. Assumir um projeto de vida próprio exige renúncia das fantasias infantis, aceitação dos limites e imperfeições da realidade.

A adolescência é, portanto, um tempo de promessas e riscos, de potências e paralisias. É o momento em que o sujeito precisa se desfazer do olhar dos pais, confrontar o real, abrir mão de ideais e fazer escolhas. Crescer não é se tornar cínico ou conformado, mas assumir a responsabilidade de ser autor da própria vida — mesmo que isso implique falhas, incertezas e a dor de abandonar certos sonhos.

Na contemporaneidade, vivemos o que alguns teóricos chamam de uma “suspensão do tempo da maturidade”. Zygmunt Bauman, ao falar de modernidade líquida, destaca como os laços se tornaram mais frágeis, os compromissos mais curtos, e a ideia de um projeto de vida se tornou instável.

Nesse cenário, emerge a figura do adultescente: um sujeito biologicamente adulto, mas emocional e existencialmente retido no tempo adolescente. Não se trata de irresponsabilidade pura, mas de um descompasso entre corpo, psique e cultura. Como amadurecer num mundo que não oferece modelos consistentes de vida adulta?

Além disso, vivemos uma época marcada pelo enfraquecimento das figuras de autoridade e por grandes transformações na estrutura familiar. Muitos adolescentes crescem sem uma referência simbólica sólida — um pai, um mentor, um limite confiável — que os ajude a enfrentar o real. Sem esse corte, o jovem pode ficar à deriva, preso a uma infância prolongada, sem mapas para atravessar a vida adulta.

A adolescência também é o tempo em que a sexualidade aflora — não apenas no sentido biológico, mas como experiência simbólica do desejo. Desejar é se colocar diante de um outro. E isso abre espaço para insegurança, medo de rejeição, comparação constante.

O corpo, antes infantil, agora é observado, julgado, exibido, moldado. A mídia e as redes sociais reforçam ideais inatingíveis de beleza e desempenho sexual. A vivência da sexualidade, então, oscila entre a descoberta e a performance, entre a potência e o pânico.

Temendo o fracasso, muitos adolescentes se refugiam no universo virtual — telas, redes sociais, videogames — onde é possível simular relações, controlar o desejo, evitar o contato real. No jogo digital, há regras claras, papéis definidos e recompensas rápidas — diferente do mundo afetivo, que é ambíguo, incerto, e por vezes cruel.

O adolescente quer ser livre, mas também deseja pertencer. Quer se distinguir dos pais, mas precisa da validação do grupo. Deseja ser autor da própria vida, mas ainda carrega o peso do olhar alheio. Por isso, muitos oscilam entre a rebeldia e a regressão, entre o grito e o silêncio. É o corpo que fala, é o comportamento que protesta. A melancolia adolescente pode ser, na verdade, o sinal de um sujeito tentando nascer de novo — agora como adulto.

Crescer é, afinal, assumir a si mesmo. Deixar de viver o roteiro sonhado pelos pais, ou ditado pelas redes, e começar a construir um projeto próprio. Isso não é simples — implica renúncia, angústia e escolha. Mas é nesse desafio que se encontra a possibilidade de liberdade verdadeira.

A adolescência é, antes de tudo, uma travessia. Não há garantias. Não há mapas exatos. Mas há potência. E o que o adolescente precisa não é de um mundo pronto, mas de alguém que o acompanhe enquanto ele constrói o seu.

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